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Diário de um "lockdown" na Itália

  • Foto do escritor: Paula Rodrigues
    Paula Rodrigues
  • 15 de mar. de 2020
  • 6 min de leitura

Oi!


Se você, assim como eu, não aguenta mais ouvir falar de coronavírus, este não é o lugar para você, porque é exatamente sobre isso que eu vou falar, hahah. Resolvi escrever porque estou entediada mesmo: estou entrando na quarta semana de quarentena e na segunda semana de total “lockdown”, no qual não posso sair de casa de jeito nenhum, porque posso ganhar uma multa. Tédio causa excesso de pensamentos e, assim, vontade de falar. Sozinha em casa, faço altos discursos a pessoas imaginárias e, às vezes, acho que estou ficando louca, então vou escrever, se quiser ler, leia, haha.


Para quem não sabe, moro no momento em Bergamo, uma cidade no norte da Itália, quase do lado de Milão. Mudei para cá dia 1 de fevereiro, para fazer o último semestre do meu mestrado. Ou seja, cheguei aqui bem a tempo de pegar uma das piores fases para estar na Itália! (Embora eu ache que agora não há nenhum lugar no mundo que não seja problemático no momento) Mas vamos convir que estar na Itália, e, mais ainda, no norte da Itália foi algo bem irônico, no estilo Alanis Morrissete : cheguei aqui louca para viver a Dolce Vita, e me deparei com estar trancada em casa há três semanas, sem poder sair do país nem se eu quiser.


Para ser honesta, nem lembro quando esta história de coronavírus apareceu. Eu lembro do pessoal começar a falar disso em janeiro, mas era mais um problema distante que eu lia na internet. Na Inglaterra, onde eu morava antes, as pessoas pareciam preocupadas, mas não havia nenhum caso na Inglaterra, então isso parecia para mim mais um daqueles medos de longínquos que algo real. Quando mudei da Inglaterra para a Itália, me recomendaram usar máscara no avião, mas eu acabei nem usando.


Chegando na Itália, vida normal: estava super feliz com a mudança e as minhas primeiras semanas em Bergamo foram maravilhosas. Ouvia falar mais e mais do coronavírus, mas continuava sendo algo remoto para mim. Nessas três primeiras semanas, viajei um pouco, indo para Milão e para o Carnaval de Veneza. Quando fui para Veneza, num sábado, dia 22/02, coronavírus já era um assunto bem presente na Itália, mas foi no dia seguinte que a notícia estourou por aqui: “O norte da Itália está tendo um surto de contaminações, Lombardia é a mais afetada, Veneza será fechada”. Fiquei tipo: eu estava em Veneza ontem, andando no meio das multidões, pegando trens lotados, indo em banheiros nojentos de estação e restaurante (Veneza tem os banheiros mais sujos que eu já fui na vida, bleh). No mesmo dia já chegou notificação da universidade que ela estaria fechada por uma semana e que estávamos em quarentena.


Nesse primeiro momento, fiquei um pouco sem acreditar. Acho que nem eu, nem meus conhecidos, levamos essa história de quarentena a sério. Parecia férias da faculdade: lojas abertas, entretenimentos disponíveis, sem aulas para ir... Só percebi que os italianos estavam com medo quando tive que ir na Polícia para fazer alguns documentos e os agentes de imigração não deixaram ninguém entrar no prédio – era todo mundo esperando ser chamado do lado de fora, e os policiais só faltavam dar um spray de desinfetante se chegássemos muito perto deles. Eu e uma amiga ríamos deles e continuamos a nossa vida.



No final de semana seguinte, resolvemos ir para a França de ônibus, tentar ver a neve antes do inverno ir embora. Em uma semana, o clima já estava bem mais pesado: as notícias ficavam cada dia mais críticas, estouraram as notícias sobre a Itália no Brasil, havia menos pessoas na rua, e todos olhavam desconfiados uns para os outros. Eu e minhas companheiras de viagem queríamos ir mesmo assim, e então compramos máscaras e fomos, de Bergamo para Milão e de Milão para Chamonix; na volta paramos numa cidadezinha italiana chamada Aosta. Nesse ponto, ir para uma rodoviária em Milão era tipo ir ao epicentro do coronavírus na Europa, e viajar para algum lugar e dizer que você estava vindo do norte da Itália era querer que todo mundo jogasse pedras em você.


Na rodoviária em Milão, todos mascarados, e gente tossindo a céu aberto, o que nos fez ficar um pouco preocupadas. Quando entrei no ônibus fechado que ia de Milão a Chamonix, sem uma janelinha e todo mundo respirando o mesmo ar, alguns dando tossezinhas disfarçadas, pensei: poxa, eu tava numa Veneza lotada e agora estou aqui nesse ônibus da morte, se eu não pegar Coronavirus, não pego mais, hahaha. (bate na madeira). A viagem correu bem, e rendeu risadas nossas (humor negro, né), fazendo piada com o perigo de pegarmos o vírus e com o medo que causávamos nas pessoas ao dizer que morávamos na Lombardia. Mas as três terminaram as sagas todas de ônibus sãs e salvas, sem nenhum vírus (obrigada, imunidade!)


Na semana que se sucedeu, as notícias foram se tornando mais tensas, incluindo o prefeito de Bergamo himself estando infectado. No sábado, saiu a notícia de que a Lombardia fecharia, e que ninguém da Lombardia poderia sair do norte – o que inclusive ocasionou um escape em massa do norte para o sul (tem uns vídeos bizarros de pessoas tentando sair de Milão) – mas, logo em seguida, já foi decidido que a Itália inteira estaria trancada: ninguém pode sair ou entrar do país, e estaríamos todos trancados onde quer que estivéssemos.


O “lockdown” é completo mesmo: não há vôos de ou para a Itália; ônibus entre cidades não estão disponíveis; para viajar de trem, é necessária uma autorização com um forte motivo, como trabalho ou emergência familiar; não há mais nenhuma loja aberta, apenas mercados e farmácias; e há várias regras sobre sair na rua – só se pode sair para ir nos lugares acima, e quem sair para andar só por andar, pode tomar uma multa de 200 euros caso seja parado pela polícia. A ideia é não sair mesmo, cada um isolado no espaço da sua casa. Bergamo se tornou uma cidade fantasma, e, pelo que vi, outras cidades italianas estão iguais.


Meu objetivo não é assustar ninguém com o meu post, até porque, tirando essa última semana em que as coisas ficaram realmente graves, eu não estava levando esta história de vírus muito a sério. Eu me considero uma pessoa saudável, mas obviamente não quero testar o sistema de saúde italiano, sendo que eu sou uma estrangeira e nem sei como seria o meu tratamento. O que eu sei é que os números de contaminados no norte da Itália são realmente grandes, que eu ouço ambulâncias passando o dia inteiro, e que os hospitais estão superlotados e a Itália numa crise de saúde imensa, que se tornará uma crise econômica em breve, a julgar pelo fechamento de tudo e o fato do turismo ser uma fonte de renda enorme no país.


Mesmo que seja apenas uma gripe, e eu realmente não sei a real gravidade para uma pessoa como eu, não quero ser mais uma pessoa indo para o hospital, apenas porque falhei em seguir recomendações básicas: o país fechou para que as pessoas parassem de se contaminar, e seria falta de respeito ignorar todos os esforços coletivos para que o coronavírus pare. Apesar das minhas viagens em tempo de quarentena não terem dado em nada, hoje eu vejo que fui irresponsável. Espero que as pessoas em outros países, e no Brasil principalmente, entendam que quarentena não é férias e que o vírus está se espalhando mesmo. E nessas, você que é saudável pode estar passando o vírus para quem não é, e isso é egoísmo. Na sexta-feira, o jornal local de Bergamo contava com 10 páginas de obituário, todas repletas de fotinhos de pessoas idosas.


Bom, tirando o meu quase enlouquecimento estando trancada até não sei quando, estou de boas na minha casa. Só saio para ir no mercado, e lá tem controle de quantas pessoas podem entrar por vez, e luvas disponíveis para usarmos no mercado. Há vídeos rolando na internet de uns italianos mais animados fazendo luau nas varandas, já que não podemos chegar perto uns dos outros. Mas, infelizmente, a ideia não vingou entre os meus vizinhos em Bergamo, haha – queria tanto festa da sacada!


O “lockdown” vai até dia 3 de abril, mas pode aumentar dependendo de como a situação estará até lá. Agora é botar em dia o Netflix, as leituras, inventar umas comidas diferentes e esperar que possamos andar na rua livremente em breve.

Forza, Italia, e forza a tutti!

Beijinhos.

 
 
 

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