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Mulheres viajantes

  • Foto do escritor: Paula Rodrigues
    Paula Rodrigues
  • 2 de dez. de 2018
  • 6 min de leitura


Oi! Aqui estou eu de novo, me explicando por ter prometido escrever mais! heheh. Quero falar sobre muitas coisas, tenho muitas histórias para dividir, mas quero mais tempo para pensar em como escrevê-las.

Para quem não me conhece e está aqui pela primeira vez, moro no momento em Lisboa (onde estou fazendo o primeiro semestre do meu mestrado Erasmus Mundus), estou me preparando para me mudar para a Inglaterra para o segundo ano do curso, e já fiz intercâmbio na Irlanda, em Londres e em Roma. Tenho histórias de viagens para contar sem fim e nem sei como organizá-las de modo coerente e que seja interessante para os outros, hehe. Às vezes sinto que tenho muito para comunicar e não sei como. Estou tentando.


O que eu resolvi escrever hoje não é uma das minhas histórias; é mais um reflexão mesmo. Há algumas semanas, andando pelas livrarias lisboetas, me deparei com um livro intitulado exatamente assim: "Mulheres viajantes". Ele me chamou atenção por dois motivos: primeiro por eu ser mulher e ser viajante (haha) e segundo porque eu vi que ele dava uma ótima visão teórica e histórica sobre o assunto, e eu, que no momento estou fazendo uma disciplina de estudos de gênero e outra sobre imigração, poderia usá-lo no futuro, quem sabe.


Vou começar falando de mim mesma como viajante e ir pensando no livro no caminho.

Como já disse muitas vezes (para quem convive comigo e tem que me ouvir, rsrs), eu sempre sonhei em morar fora do país e viajar muito por aí. Era algo muito forte desde que me conheço por gente; eu lia muito e nos meus livros eu viajava para muitos lugares e sonhava que poderia um dia viver as aventuras que eles contavam. Histórias de pessoas que partiam em aventuras povoavam todo o meu imaginário juvenil e eu queria muito viver aquelas coisas. Mesmo quando parecia que nada disso iria acontecer, eu continuava a falar para as pessoas que um dia eu iria sair pelo mundo.


Hoje em dia, o "wanderlust" está muito popular, e histórias de pessoas que largam seus empregos seguros para dar a volta ao mundo estão por todo o lado. Sigo muitos perfis de viajantes e me inspiro muito neles, mas a verdade é que por um bom tempo eu ouvia que era muito sonhadora, que deveria colocar os pés no chão e fazer aquelas coisas que fazem parte do script do ser adulto: ter um emprego estável, comprar uma casa e um carro, casar e ter filhos. Nada contra nenhuma dessas atividades, inclusive um dia quero ter algumas dessas coisas, mas nunca foi minha prioridade. A minha prioridade era conhecer o mundo, estudar coisas que eu amava e ir me encontrando no caminho.

Daí que nessas leituras todas que tenho feito para a faculdade, me deu de pensar que, na realidade, faz muito pouco tempo que mulheres puderam ter sonhos como os meus em voz alta e puderam de fato realizá-los. Historicamente, a mulher não é uma viajante, ela não vai para o mundo; ela é a que espera.



Em Odisseia, Penélope, coitada, fica vinte anos esperando Ulisses enquanto ele se aventura em alto mar. Ela foi por muito tempo na literatura a "mulher exemplar" por ter ficado aguardando intacta e leal enquanto seu marido não chegava.

Em outro livro, "Jane Eyre" (que eu amo muito, diga-se de passagem!), a protagonista se ressente de não ser dado a ela o direito de desbravar o mundo. Ela sofre com a vida que lhe é incumbida, de ficar em casa contemplativa, e ouve as histórias de Mr. Rochester (seu interesse romântico na história) nas Índias e na França, tentando sugar a maior quantidade de conhecimento sobre o que estava fora.

Em um dos trechos mais emblemáticos da obra, ela diz:

"É inútil dizer que os seres humanos devem contentar-se com a tranquilidade. Eles precisam de ação. E tem que buscá-la, se ela não vier ao seu encontro. Milhões são condenados a uma vida mais pacata do que a minha, e milhões se revoltam em silêncio contra a sorte. (...) Supõe-se que as mulheres devem ser bem calmas, geralmente, mas elas sentem o mesmo que os homens. (...) É insensatez condená-las, ou rir delas, se procurarem fazer mais ou aprender mais do que o costume determinou que é necessário ao seu sexo." Charlotte Brontë, 1847

Se sairmos da Literatura e irmos para os livros de História, nos deparamos com os grandes navegadores, conquistando o globo e desbravando os mares; lê-se sobre homens que partiam e faziam grandes viagens de auto-conhecimento antes de se assentar na vida; e de imigrantes que partiam para ter uma vida melhor em outro lugar. Pouco se fala das mulheres, que ficavam para trás esperando talvez serem buscadas mais tarde.

Em "Mulheres Viajantes", a autora fala exatamente sobre isso; o mundo das mulheres nunca foi o exterior, ele era o interior. Aos homens era dado irem para fora e arranjarem seus destinos; às mulheres era dado o interior de suas vidas domésticas. Elas ficavam em casa envoltas em seu mundo cheio de subjetividades enquanto aos homens era dada toda a ação. Se elas viajavam, o faziam por intermédio de um marido que as iam guiando em um território que era dele:


"Até bem adiantado o século XX, uma mulher que viajasse só era objeto de espanto, curiosidade ou escândalo, quando não o conjunto dos três sentimentos, traduzindo a estupefação do "sexo frágil" a aventurar-se no domínio dos homens."

Ou seja, uma mulher partindo sozinha era algo estranho e inusitado, pois contrário à sua natureza de reserva.


Muitas vezes ouvi pessoas me dizendo que sou corajosa. Adoraria pensar em mim mesma como uma grande heroína enfrentando grandes perigos, mas, honestamente, eu não me sinto assim e nem passo por grandes perigos. Eu seria corajosa se estivesse indo contra os meus instintos naturais. Eu parti não por coragem, mas para atender algo que a minha natureza pedia. O que me move é a curiosidade. Vim sozinha porque esse caminho é meu e não esperaria um outro alguém que talvez pudesse ou não querer mais ou menos o que eu queria. Queria o mundo e vou encontrando pessoas do mundo no caminho.

Como diz a minha musa Charlotte Brontë, as mulheres querem tanto quanto os homens querem, e se por séculos temos histórias de grandes jornadas masculinas, porque as mulheres quereriam menos?

Em um outro trecho de "Mulheres Viajantes", a autora diz o seguinte:

"É frequente o viajante falar como em criança se sentia atraído pelos mapas, pelos nomes dos lugares, pela história que contêm e de como a partir deles construía o seu próprio mundo. Viajar permite a identificação real do imaginado, embora por vezes possa ser decepcionante."

Nesse meu um ano e meio morando fora do Brasil, conheci muitas mulheres que, assim como eu, haviam decidido se jogar sozinhas no desconhecido, e coisa que amo é ir encontrando elas no caminho e ouvindo suas histórias, ver como cada uma chegou até ali, por motivações diferentes e ver que elas se interessam em ouvir a minha também. Amo essas narrativas e acho que é isso que me inspirou a querer escrever mais sobre elas, mesmo que do meu jeito torto e mesmo sem saber se alguém quer de fato me ler.

Na minha antiga casa na Irlanda, eu e as meninas que moravam comigo costumávamos passar as noites conversando sobre as nossas jornadas e dando força umas às outras. No meu antigo trabalho, era costume entre uma atividade e outra a gente ir dividindo o que nos acontecia. E agora ouço e crio outras histórias aqui em Portugal. E a narrativa continua.

De certo modo, querer contá-las aqui é ir tentando criar a minha odisseia pessoal. Contei nos posts passados como cheguei onde estou agora e quero realmente ir fazendo pequenos relatos da minha vida no mundo fora do conforto do minha cidade natal. Assim como muito me inspiro em outros viajantes, fico muito feliz quando alguém diz que se inspira nem que seja um pouco em mim para buscar suas próprias aventuras.

Me sinto grata por todas as mulheres que vieram antes de mim e possibilitaram que eu estivesse aqui hoje. Sempre ouvi que era quieta e introspectiva, mas não preciso ser definida por essa imagem: se me imagino uma grande aventureira, é essa mulher que eu vou ser.


Então era isso, beijos e até mais. Stay tuned.


P.s.: E se você se interessar por esse livro que eu falei, ele é muito bom! Ele vai falando de mulheres que foram fazendo suas viagens desapercebidas ao longo da História. So, look for it! ;)

 
 
 

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